POR/BY_DARIO CALDAS | OBSERVATÓRIO DE SINAIS + DESIGN_RAFAELA LECH
Artigo republicado na edição 59 da Revista impressa abcDesign (2019) escrito originalmente para publicação no ODES Report Insights & Tendências de Comportamento e Consumo.

Os millennials são responsáveis por mais uma mudança radical no estilo de vida: o relacionamento dos indivíduos com a cama, esse nada obscuro objeto de desejo…
Até pouco tempo atrás lugar do repouso, do sono e do sexo, a cama enveredou pelo século 21 – para alguns, será “o século da cama” – como um dos móveis mais versáteis da casa, exemplo de arquitetura horizontal, agregando usos múltiplos e transformando-se em uma espécie de hub das atividades cotidianas, cada vez mais comandadas desde o aconchego do lar.

O casal John Lennon e Yoko Ono em seu célebre bed-in manifesto, no final dos anos 1960.
Hugh Hefner, dono da marca Playboy, trabalhando na sua cama.

Trabalho, corpo, lazer

Alguns enquadraram esse movimento numa história mais ampla, à qual se deu o nome de “homebody economy”, que se explica pelo fato de que os indivíduos estariam reduzindo ao máximo a sua vida social física, “real”, em troca de experiências caseiras cada vez mais satisfatórias, como toda sorte de entretenimento digital via telas, on demand. Para os millennials, dizem, ficar é o novo sair…
De qualquer forma, não se trata só de diversão, já que a cama contemporânea está se transformando, também, no epicentro das atividades do trabalho em casa e de uma nova abordagem do corpo, feita de bem-estar, relaxamento e busca de prazeres sensoriais.
É sempre bom lembrar que macrotendências se constroem em camadas, que se sedimentam ao longo do tempo. Nesse sentido, a história “Bed Trip” também tem a sua genealogia, isto é, precedentes e eventos antecipatórios, que agora são resgatados como referências.
Mesmo quem não viveu nos anos 1960 tem a referência da imagem, amplamente massificada, de John Lennon e Yoko Ono em uma cama, numa atitude transgressiva, de crítica social, com mensagem pacifista.
É interessante lembrar, também, que o estilo de vida in bed foi uma espécie de motivo recorrente ao longo dos anos 1970 – década tão influente hoje em dia, sob vários aspectos. Imagens do período mostram, por exemplo, o empresário Hugh Hefner (da marca Playboy) trabalhando em sua cama. A ideia da cama como ilha de prazer também foi bastante difundida naquela época de liberação sexual.
Sinais atuais da nova cama referenciam-se diversas vezes nessas imagens icônicas, mas com uma carga bem menor de transgressão.

Na Horizontal

Na 16ª Bienal de Arquitetura de Veneza (2018), uma instalação do pavilhão holandês abriu espaço, justamente, para o debate sobre esse novo estilo de vida em torno da cama, em uma sociedade dominada pelas redes sociais. Organizados pela professora e historiadora da arquitetura Beatriz Colomina, os talks foram realizados, como não poderia deixar de ser, no melhor estilo John e Yoko…
Uma das conclusões dos debates é que discutir o que as pessoas pensam e fazem na cama, hoje, é algo tão sério que pode afetar, até mesmo, o modo como desenharemos as cidades do futuro.

A professora e pesquisadora Beatriz Colomina recebeu para talks in bed na Bienal de Arquitetura de Veneza do ano passado.

Bed time

A marca de design italiana Cassina foi uma das que embarcaram na “Bed trip” para comunicar o lançamento da coleção “This will be the place” (este vai ser o lugar).

Uma das imagens da campanha produzida pela marca italiana Cassina para a coleção “This will be the place”.

Cola Aki

Sucesso no YouTube e na MTV, o grupo musical californiano The Internet emplacou em 2018 o hit “Come Over”, que fala de relacionamentos na era digital, com várias cenas na cama servindo como pano de fundo.

DESKFOBIA

O designer Geoffrey Pascal, da Academia de Design de Eindhoven, propôs uma coleção de móveis para escritório baseados na ideia de que as pessoas trabalham cada vez mais nas suas camas. O nome da coleção – “Grafeiphobia” – refere-se a medo ou aversão de escrivaninhas e mesas de escritório.
Os produtos sugerem diversas posições pouco ortodoxas para trabalhar e foram desenvolvidos com base em pesquisas da Nasa sobre a posição neutra do corpo (aquela em que o corpo sofre menos, quando está em situação de gravidade zero).

Cama, um estilo de vida

A cama de hoje é um concentrado do próprio universo millennial, povoada ou circundada pelos aparelhos e gadgets que realmente importam e que permitem que a vida siga em paz – só que é uma outra paz que se busca, diferente daquela da geração de John Lennon.
Esse objeto de design horizontal permite fazer home office, assistir à Netflix ou a vídeos no YouTube, encarar longas sessões de games, com o smartphone sempre à mão e a comida pedida em dois cliques.
O dia termina… na cama, lugar de encontros agenciados via Tinder ou Grindr, a depender da orientação sexual do freguês.

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